quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O conto de fadas africâner


Semana passada estivemos em Orania, uma pequena cidade no interior da África do Sul e um dos lugares mais impressionantes que já visitei. Orania tem aproximadamente 700 habitantes, todos brancos africâneres, grupo formado por descendentes dos colonizadores holandeses, o mesmo que criou o Apartheid em 1948. Os africâneres representam hoje 6% da população do país.



A vida em Orania é um conto de fadas. Crianças lourinhas brincam sossegadas pelas ruas tranquilas e limpas da cidade, sob o olhar orgulhoso de suas mães. Lá não há violência, as casas têm muros baixos e jardins bem cuidados; jovens se divertem nas águas limpas do rio Orange; quase tudo que é consumido na cidade é produzido pela própria população nas fazendas e comércios locais. A cidade desenvolveu um método próprio de ensino, em que os alunos estudam a lição sozinhos em casa e depois são testados por um programa de computador. Parece que o programa já foi exportado para várias cidades e até mesmo para outros países. Mas há também uma segunda escola para quem prefere o sistema tradicional.



Orania tem até moeda própria, o Ora, que vale a mesma coisa que o Rand sul-africano. O símbolo da cidade, presente nas placas e na sua bandeira (isso mesmo, Orania tem até bandeira) é um garoto arregaçando as mangas, como sinal de trabalho. Quem mora em Orania diz que não trocaria lá por lugar nenhum. Pudera...

Só que por trás desse rótulo romântico, há uma cidade preconceituosa e triste. Ela é o maior exemplo de como a África do Sul ainda é um país segregacionista. Orania foi fundada três anos antes de Nelson Mandela chegar ao poder, em 1994, e assim decretar oficialmente o fim do Apartheid. Um negro no governo poderia significar o fim da cultura e soberania africâner, e por isso algumas pessoas resolveram criar em Orania o modelo da África do Sul ideal, em que culturas diferentes não devem se misturar.



Os moradores de Orania alegam que o que move a cidade é uma questão cultural e não racial. Tanto que brancos de origem inglesa também não são bem-vindos. O lugar é aberto aos turistas, mas morar lá é uma outra história, é preciso provar ser um genuíno africâner. A diversidade de raças, idiomas e culturas é um dos aspectos mais fascinantes da África do Sul, mas não tem vez em Orania. Em pleno século 21, uma cidade escolheu o isolamento como a única forma de preservar a língua e os costumes de seu povo.

(Marta)

5 comentários:

  1. Quando começei a ler achei mesmo que era de conto de fadas, mas depois bateu o sino da realidade. Que duro! pena que ainda existem comunidades interias pensando desse jeito.

    Bjs,
    Claudinha

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  2. Oi Marta e Pirrho,

    Eu, a princípio, não moraria numa cidade assim, extremamente autovigiada.
    Mas é plenamente comparável às comunidades indígenas que querem manter sua autonomia sem mesclas. Acho que causa estranheza por ser "ao contrário", mas o mesmo acontece em vários lugares. É triste do ponto de vista sociopoliticamente correto, mas é uma característica humana e até mesmo animal.

    Agora, testados por um programa de computador... aí é foda
    Iam

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  3. Cara, é polêmico mesmo. Eu e Marta discutimos o assunto várias vezes lá em Orania e consideramos isso que você falou. O problema é que, na minha opinião, uma comunidade como essa é impossível de se sustentar num mundo com internet, televisão e tudo mais. Estou agora no Egito, uma cultura muitíssimo mais antiga, e mesmo aqui já se percebe como o trânsito de pessoas e informações já vai mudando as características do lugar. Mas voltando a Orania, o problema lá se torna diferente dos índios no Brasil pelo passado traumático do país. Para não me alongar muito, minha opinião sobre a África do Sul é a seguinte: ou separa-se o país em 10 ou todo mundo passa a entender que antes de serem zulu, africâner, ect., eles são sul-africanos. E cada um que fale sua língua, tenha costumes próprios, porque essa é, afinal, a característica da África do Sul, mas que ainda assim percebam que eles fazem parte de um mesmo povo.

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  4. Falou e disse. Mas os índios também tem seus traumas, não esqueça. Os aborígines, judeus que viveram a II Guerra e hoje se isolam, etc... são todos uns quadrados, mas devem fazer como autodefesa. A diferença maior pra mim é que esses africâners não têm ligação com natureza, é um isolamento mais artificial.
    Sobre os egípcios, li agora o texto - irado! - e isso é característica árabe mesmo. Sabem receber como ninguém. Os beduínos do deserto de Israel, os sírios do Golan e os jordanianos também, dos que conheço.

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  5. Qual a diferença de Orania e de Israel? Ou da Palestina? Ou do Irã? Ou da independência que lutamos para o Tibete? Lamento. Creio mesmo que devemos respeitar a cultura de cada povo. E se estudarmos os Boers, eles fugiram dos ingleses e montaram suas riquezas. Riquezas que foram vilipendiadas pelos ingleses, sob o manto da unificação. A Rodésia exitingui-se e forçou algumas nações afro. Porquê não um Estado Afrinkander? Quanto a racismo e preconceito, sem hipocrisia, eles existem em todos os lugares. De parte a parte. Até em Crepúsculo onde lobos não aceitam vampiros.Creio na Liberdade de opinião e expressão. Quanto a crítica do processo escolar em casa, ele é adotado na Korea e nos EUA. Vamos refletir antes de criticar.

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