segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O dono do Zimbábue


O Zimbábue é um país de trajetória peculiar: o maior herói da história de lá é também o seu maior vilão. Robert Mugabe foi o líder da independência do país, em 1980. Só que desde então é o presidente, chefe, senhor, dono, deus do Zimbábue. Nas últimas eleições, ano passado, o povo disse que não o queria, deu mais votos a Morgan Tsvangirai no primeiro turno. E daí? Votos não valem nada contra ele. Aos 85 anos, Mugabe só sai do poder quando quiser. E ele não quer.

O que Mugabe fez, em linhas gerais, se assemelha ao trabalho de Nelson Mandela na África do Sul. Ele dedicou sua vida a uma causa, se lapidou intelectualmente, esteve preso, tudo para, em tese, livrar os negros zimbabuanos do domínio colonial dos brancos. Se tivesse morrido nos anos 80, logo após a independência, até hoje seria celebrado como libertador e provavelmente teria seu rosto estampado em camisas por aí.

Mas Mugabe ficou. Montou um aparato de segurança gigantesco e fez do país o seu quintal. Aos poucos se transformou num tirano - ou, o que é mais provável, simplesmente revelou sua essência.

E é aí que a obra de Mugabe se descola totalmente da de Mandela. Os dois chegaram ao poder em nome do povo. A diferença é que cinco anos depois de um governo de transição dificílimo, Mandela decidiu não disputar a reeleição a que teria direito. Se fizesse isso, certamente ganharia. Só que ele escolheu trabalhar (legitimamente) para a vitória do seu partido e depois ir para casa. Mandela poderia governar até hoje, seja pessoalmente ou usando filho, neto, ex-esposa ou papagaio como escudo. Mas deixou que a África do Sul, bem ou mal, seguisse o seu caminho e encontrasse novos líderes.
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O tempo mudou a biografia de Mugabe e de Mandela.
Um virou algoz no Zimbábue.
O outro ganhou aura de santo na África do Sul.
(Rafael)

domingo, 30 de agosto de 2009

Na estrada de Ruanda

Numa tarde, durante nossa viagem a Ruanda, o motor da van que alugamos começou a ferver e precisamos parar no acostamento. Estávamos a menos de duas horas da capital Kigali, num ponto da estrada aparentemente despovoado. Pois cinco minutos depois fomos surpreendidos por um grupo de meninos e meninas que se aproximaram do nosso carro.


De pés descalços e segurando cadernos da escola, seus olhos brilhavam de curiosidade e excitação por terem se deparado com um grupo de estrangeiros brancos sentados no meio fio. Os meninos não falavam nada, mas pareciam maravilhados com a nossa presença. Seus olhinhos acompanhavam cada um de nossos movimentos, como se nós fossemos os artistas e eles a platéia. O repórter Regis Rosing começou a brincar com os garotos, que repetiam tudo o que ele falava e davam risada. Alguns deles sumiam no meio do mato e voltavam com galões de água para ajudar a esfriar o motor.

Uma hora depois conseguimos seguir viagem, mas logo o carro voltou a ferver e fizemos nova parada. Já era noite e a única luz vinha das estrelas. O lugar parecia ainda mais deserto. No entanto, logo percebi que não estávamos sozinhos. A um metro do carro, um adolescente que caminhava na beira da estrada parou seu trajeto para nos observar. Dois minutos depois, uma mulher com duas crianças encostaram ao lado do rapaz. Ficaram lá totalmente imóveis por mais de meia hora, apenas nos observando. Pouco depois, um grupo também parou do outro lado da estrada.

Se fosse na África do Sul, já estaria morrendo de medo. Mas não em Ruanda. Apesar de todo seu passado trágico - mais de um milhão de pessoas morreram no genocídio de 1994 - o país é hoje um dos mais seguros da África. Os ruandeses são um povo muito acolhedor e pacífico.

Mal dava para ver a expressão daquelas pessoas, mas elas pareciam felizes pelo simples fato de estarem ali nos observando. Era mais atraente ficar li no escuro, na beira da estrada, do que voltar para casa. Perguntei ao nosso motorista o porquê daquilo e ele emendou:

- Ruanda é um país essencialmente rural, não há diversão ou o que se fazer por aqui. Então, vocês se tornaram a atração dessas pessoas. Vocês são diferentes de tudo o que elas conhecem - explicou.

Quem diria que um grupo de jornalistas branquelos e um carro quebrado poderiam trazer alegria a tanta gente. Só mesmo em Ruanda.
(Marta)

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Ainda sobre Semenya


O drama envolvendo a jovem atleta de 18 anos voltou a pegar fogo ontem, depois que exames médicos realizados em Semenya na África do Sul antes do Mundial de Atletismo revelaram que a atleta, vencedora da medalha de ouro nos 800 metros em Berlim, tem níveis de testosterona três vezes superiores do que o normal numa mulher.

O diário britânico Daily Telegraph revelou que o treinador da equipe nacional da África do Sul é Ekkart Arbeit, que nos anos 80 esteve envolvido num escândalo de doping. Arbeit foi acusado por uma das suas atletas, Heidi Krieger, de forçá-la a tomar esteróides anabolizantes, o que a obrigou a mudar de sexo em 1997.

No entanto, o Parlamento sul-africano disse que vai interpelar a ONU para que ela denuncie a Federação Internacional de Atletismo (IAAF) por violação dos direitos humanos no caso da atleta. Mesmo que seja comprovado que ela na verdade é ele, concordo com Rafael quando ele diz que a federação deveria ter feito os exames antes de Semenya disputar a prova, e assim evitar tanto constrangimento.

(Marta)

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A arte de (não) andar pelas ruas de Joburgo

Certa vez um amigo da Marta perguntou em tom de brincadeira: “Você sabe por que as mulheres brancas de Johanesburgo não têm bunda?” E emendou: “Porque elas levantam do sofá e sentam no carro, levantam do carro e sentam no restaurante, levantam do restaurante e sentam no cinema, chegam em casa e sentam no sofá.”

Mas a piada bem que poderia ser estendida à quase toda população da cidade. Porque para qualquer coisa que se faça por aqui é preciso ter um carro - inclusive para ir a uma concessionária comprar um carro.

Quem não tem um precisa apelar para um sistema de transporte praticamente inexistente. Só há vans em más condições e raríssimos ônibus (que, mesmo assim, circulam em áreas restritas da cidade).

Andar a pé não é uma opção. Primeiro, por causa da organização de Johanesburgo, toda cortada por longas (e ótimas) rodovias, como uma típica cidade americana, em que negócios e entretenimento estão distantes das áreas residenciais. Segundo, e provavelmente mais relevante, por conta da violência urbana. Johanesburgo é, sim, uma cidade perigosa, mas não é diferente do Rio ou de São Paulo. A diferença é que aqui parece que as pessoas decidiram simplesmente não andar mais nas ruas. Isso, obviamente, não serviu para diminuir a violência, só para ampliar o medo.

É raro encontrar faixa de pedestre. Caminhar, como nós já fizemos algumas vezes durante o dia, causa desconforto. Não por medo, mas pelo vazio das calçadas. Por falta de uso, aliás, elas muitas vezes acabam virando enormes jardins nas áreas residenciais.

Em Johanesburgo, quase não se vê casais se beijando na rua, o dono passeando com seu cachorro ou os amigos voltando juntos do colégio. Aqui, as esquinas são mais tristes.



(Rafael)

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Malema


Esqueci de um detalhe importante sobre a chegada de Semenya. Foi patético ver o presidente da Liga Jovem do Congresso Nacional Africano (CNA), Julius Malema, posando de herói ao lado de Semenya na hora da confusão. Malema grudou no pescoço da atleta e parecia um segurança pit bull gritando para que as pessoas saíssem de sua frente. Logo ele, que chegou meia hora antes de Semenya aparecer no saguão, às 10h, enquanto alguns jornalistas e amigos estavam lá desde às 6h30.

Para quem não conhece Malema, ele é uma das principais figuras do CNA, partido que levou Mandela ao poder em 94 e que reina absoluto no governo desde então. No entanto, bem diferente de Mandela, o cara é um verdadeiro idiota e é chegado à uma declaração polêmica. A última foi há três semanas, quando acusou o presidente Jacob Zuma de preterir os negros em cargos do gabinete econômico. Malema se irritou porque Zuma escolheu Gill Marcus, uma branca, para a função.
Malema é apontado como provável futuro presidente da África do Sul.
(Marta)

A recepção da Menina de Ouro



Uma recepção bem ao estilo africano para a Menina de 0uro da África do Sul - cheia de alegria e desorganização. Quase duas mil pessoas se espremeram no saguão do Aeroporto Internacional de Johanesburgo, na manhã desta terça-feira, para dar as boas-vindas à Caster Semenya, campeã mundial dos 800 metros no Mundial de Atletismo, em Berlim. Muitas pessoas carregavam cartazes que diziam: "Nossa primeira dama do esporte", "Menina de Ouro" e "Caster, você é linda".

Porém, o que começou como uma festa bonita e animada, típica dos sul-africanos, poderia ter acabado mal, devido à incompetência da polícia em isolar o local por onde sairiam os atletas.


Duas horas antes da delegação de atletismo desembarcar, amigos e familiares comandavam dancinhas e músicas no saguão do aeroporto. Os sul-africanos são um povo muito animado e não perdem uma oportunidade para mostrar que são os reis do rebolado. E claro, não poderiam faltar as vuvuzelas.

O avião atrasou muito e enquanto Semenya não aparecia, mais curiosos e jornalistas se amontoavam no lugar. Até que ficou insuportável. Não dava nem para se mexer direito. Eu e Rafael nos entreolhamos e apostamos: "93% de chances de dar merda”. (Na foto abaixo, amigos e familiares dançam e cantam em voltam de recortes de jornal que têm a foto de Semenya na capa).

Pois na hora em que Semenya saiu no saguão, uma onda de jornalistas, amigos e curiosos atravessou o isolamento precário feito pela polícia. Eu e Rafael fomos carregados pela multidão. Algumas mulheres acabaram caindo no chão com o empurra-empurra. Eu levei um chega-pra-lá de um policial. E o que era para ser uma recepção linda, acabou assim: quase ninguém conseguiu ver Semenya, que sumiu na barreira policial.

Ah, além de Semenya, outros dois sul-africanos conquistaram medalhas no Mundial de Berlim. Khotso Makgale foi prata no salto em distância e Mbulaeni Mulaudzi repetiu o feito de Semenya e foi campeão dos 800 metros masculino. Mas eles acabaram ofuscados pela polêmica e comoção em torno da atleta, que ainda aguarda os resultados dos exames feitos pela Federação Internacional de Atletismo (IAAF) para provar se ela é mulher.

(Marta)

sábado, 22 de agosto de 2009

Como se faz o hino de um país de 11 línguas?




Vocês já pararam pra pensar na complexidade de um país com 11 idiomas oficiais como a África do Sul? Aqui funciona assim: o sujeito está lá vendo uma partida de futebol, narração em Inglês, quando de repente outro narrador assume o microfone e começa a contar o jogo em Zulu ou Sesotho. Acontece também na novela – os personagens mudam de língua numa mesma cena e surge uma legenda em Inglês para não deixar ninguém boiando.

Por causa desta variedade de idiomas, quase todo mundo aqui sabe pelo menos dois deles. Esta, aliás, é uma característica comum a praticamente todo o continente. Centenas de milhões de africanos aprendem suas respectivas “línguas da colonização” (normalmente inglês, francês ou português), mas não abandonam seu idioma de origem – inclusive preferem usá-lo nas conversas entre eles.

Sim, língua é também identidade. E se a África do Sul pós-Apartheid queria construir um Estado plural, por que privilegiar apenas uma ou duas delas? Decidiu-se então que o país teria 11 idiomas oficiais. Mas como fazer o hino deste novo país?

Não dava para manter o antigo hino em Afrikaans, dos brancos de origem holandesa. Fazê-lo todo em Inglês também não adiantava, porque apesar de este ser o idioma mais falado do país é a língua-mãe de menos de 10% da população. Decidiu-se então por uma canção híbrida. A primeira estrofe, em Xhosa e Zulu, é um trecho de "Nkozi Sikelel’iAfrika", que batiza este blog. A segunda estrofe é em Sesotho. A terceira, em Afrikaans, é uma parte do hino anterior. E a quarta é em Inglês.

Durante a Copa das Confederações, a FIFA experimentou tocá-lo parcialmente, como é de praxe em suas competições. Acabou causando uma grande polêmica por aqui, porque ninguém queria ver seu “pedaço” de fora. No fim das contas, o hino da África do Sul é como o país – cheio de diversidade, de divisões, mas muito bonito. Para ouvi-lo é só clicar no vídeo acima.
(Rafael)

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Neve na África?


Fale a verdade. A foto acima não combina muito com seu estereótipo de África: lugar quente, de temperaturas acima dos 30°C durante o ano todo. Pois aqui também neva. É raro, mas acontece. Os picos cobertos de gelo da foto ficam na região central de Drakensberg, a cinco horas de carro de Johanesburgo. Está a menos de duas horas de Lesoto, um pequeno país encravado no interior da África do Sul. Em Lesoto também costuma nevar durante o inverno.

As montanhas de Drakensberg são um destino turístico bastante badalado entre os sul-africanos. Muitas famílias passam os feriados e as férias por lá. O lugar é realmente maravilhoso. Além da visão exuberante das montanhas, há muito espaço verde e cachoeiras, ideal para atividades ao ar livre e caminhadas. Bem diferente da movimentada e barulhenta Joburgo. A boa em Drakensberg é alugar uma casa na região e levar a família e os amigos. Sai muito mais barato do que ficar em hotel.
(Marta)

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Menina de Ouro da África do Sul


"Menina de Ouro" foi o apelido dado pela imprensa sul-africana à moça da foto, Caster Semenya, campeã mundial dos 800 metros no Mundial de Atletismo, em Berlim. Semenya tem só 18 anos e ganhou o ouro com facilidade, cravando o melhor tempo do ano: 1m55s45. Pode ser o início de um novo reinado na prova mas, antes disso, Semenya precisa provar que é mulher.
A Federação sul-africana de atletismo, o técnico e a família de Semenya, obviamente, garantem que ela é ela mesmo. Mas a Federação Internacional de Atletismo duvida e já fez alguns exames. Os resultados ainda não saíram, mas, dependendo deles, Semenya pode perder a medalha.
Seja qual for o fim desta história, ele já manchou a competição. Porque se Semenya for mesmo mulher, ela terá sofrido uma exposição pública injusta e absurda. E se Semenya for considerada homem, terá ridicularizado uma das provas mais importantes do Mundial.
Qualquer uma das possibilidades é péssima e nos leva à pergunta: por que a Federação Internacional não fez todos os exames a tempo de evitar essa confusão?
Aqui o link da minha matéria no Globoesporte.com:
(Rafael)

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Sobre vuvuzelas e hambúrgueres

Para os meus ouvidos acostumados às tardes de Maracanã, não há nada mais insuportável que as vuvuzelas. Milhares de cornetas tocadas ao mesmo tempo por mais de duas horas não combinam com minha ideia do que é torcer num estádio de futebol.

Eu detesto as vuvuzelas! Questão de gosto e principalmente de hábito.

Mas detesto ainda mais quem sugere que elas sejam proibidas na Copa do Mundo.
Porque antes de fazermos isso precisaríamos montar uma comissão isenta para analisar o comportamento de todos os torcedores em todos os países do mundo. A partir daí, ela decidiria o que pode, o que não pode, e finalmente uniformizaria as ações dos torcedores. De antemão eu me candidataria a um lugar nesta comissão e minha primeira medida seria proibir o hambúrguer.

Sim, porque, na minha opinião, não há nada mais distante de um torcedor de futebol do que o sujeito que vai a um estádio para comer hambúrguer, como fazem os americanos. Certa vez eu estava num jogo em Los Angeles e vi centenas de pessoas aboletadas nas filas da lanchonete com o jogo rolando. Saiu gol e eu, que não tinha nada com isso, corri pra ver o replay no telão. Olhei pra trás e os americanos continuavam lá, despreocupados, equilibrando copos de um litro de Coca, hambúrgueres e batatas-fritas. Tenho tudo contra, mas é o jeito deles e quem há de proibir?

Ainda não vi nenhum espetáculo mais bonito que uma tarde de decisão no Maracanã. Futebol, pra mim, é isso. Mas disso a gente fala na Copa de 2014. Porque a de 2010 é aqui na África do Sul e tem que sair do jeito deles. Com vuvuzela e tudo!
(Rafael)

Insignificância



Este pontinho preto diante de tanto azul sou eu atravessando uma ponte suspensa no parque Tsitsikama, no litoral da África do Sul.


Martinha assina a foto.

(Rafael)

terça-feira, 18 de agosto de 2009

O Malandro e o Embaixador

Certa vez, num distante país da África, eu conheci o Embaixador do Brasil por lá. Falava português, inglês e provavelmente francês. De mais não precisava.
Ele estava lá de passagem, sonhava com o retorno para a Europa.
A casa confortável era paga pelo Governo e o salário era suficiente para manter um altíssimo padrão de vida e ainda guardar algum.

Lá, conheci também seu ajudante. O Malandro desenrolava bem em quatro idiomas - português e crioulo, ambos do país de origem, além de francês e inglês que ele aprendeu na marra, por sobrevivência.
Ele também estava por lá de passagem. Queria juntar cinco mil dólares, voltar pra casa e abrir um negócio. Recebia 317 dólares na Embaixada e vendia produtos num país vizinho para completar a renda. Vivia num barraco, gastava quase nada mas ainda assim não dava pra economizar muito.

O Embaixador vivia sozinho. O filho não estava lá por causa da faculdade e a mulher não quis largar o Rio de Janeiro para viver na África.
O Malandro também estava só. O pai ele não conheceu, os irmãos tinham morrido e ele havia prometido à mãe que a deixaria por um instante para buscar uma vida melhor para os dois. Doze anos depois, ainda não tinha voltado, mas ligava todo dia pra casa para saber notícias.

O Embaixador dizia que o Malandro era preguiçoso e que tinha vontade de demiti-lo.
O Malandro reclamava da arrogância do Embaixador, mas seguia em frente. Ele só pensava no dia em que teria cinco mil dólares para voltar pra casa.

- Um dia eu volto, tenho certeza. Acho que cada um tem que viver na sua terra. É só não mexer com gente ruim que dá pra viver bem. Lá é a comida da minha terra, são as mulheres da minha terra... isso faz diferença.

(Rafael)

Funeral africano

Ao invés do preto tradicional, muitas cores. Assim são os enterros em muitos países africanos. A foto abaixo é de um funeral realizado em uma vila pobre de Mochudi, em Botsuana, país vizinho à África do Sul. Estivemos lá em maio.


Mulheres e homens com trajes em azul, vermelho e amarelo circulavam pelas casas da vila tocando trompetes, trombones e chocalhos. Parecia o desfile de uma banda militar. Crianças acompanhavam de perto, enquanto brincavam. Pensamos, claro, se tratar de uma festa popular, mas os moradores locais disseram que era o funeral de um bispo famoso na região. É tradição em muitos países africanos receber a morte com música e desfiles.


Na casa do bispo morto, amigos, parentes e vizinhos faziam fila para comer. Em 2005, fui a um enterro em Soweto, na África do Sul, com um ritual parecido. Após o sepultamento do corpo, todos se dirigiram para um grande almoço ao ar livre. Geralmente é a família do morto quem oferece o banquente.

Depois de algum tempo, você até esquece que está num funeral.

(Marta)

Lá em Ruanda


Lá não tem o Cristo Redentor, a Torre Eiffel ou a Estátua da Liberdade.
Lá não tem ninguém famoso, não tem dinheiro e nem vaidade.
Lá não é notícia.

A economia de lá não é a maior do mundo.
Nem é a segunda, a terceira, a décima, sequer a centésima.
Lá é só um pontinho minúsculo no mapa
Que quase ninguém vê.


Lá não é destino turístico.
Não tem praias paradisíacas, monumentos imponentes, lojas de grife ou avenidas largas.

A história de lá não é bonita, não é heróica e nem grandiosa.
Lá o homem provou sua capacidade de ser bárbaro, de ser cruel, de ser cego, de ser mau.


Mas foi em Ruanda que vivemos alguns dos dias inesquecíveis de nossas vidas.
Porque, apesar disso tudo, lá há sorrisos em qualquer canto.

Na beira da estrada
Na saída da escola
No banco do motorista
Na velha da casa sem teto e sem chão.

Lá é um lugar para se guardar no coração.

(Rafael)

De mãos dadas pela África


Amigos,

Com seis meses de atraso, finalmente criamos um blog para marcar esta fase tão importante de nossas vidas. Uma grande viagem que se confirmou uma decisão muito feliz e que foi idealizada por três motivos:

o mais nobre diz que uma das grandes missões de um jornalista é ir aonde quase ninguém vai; é ouvir quem raramente tem oportunidade de falar; é mostrar o que pouca gente vê.

O mais oportuno, claro, é a Copa do Mundo de 2010.

E o mais instigante é conhecer de perto a África do Sul, pátria de tantas cores, 11 idiomas, de passado tão turbulento quanto grandioso, de presente em construção, de futuro possível.

Mas muito do que se ouve, do que se vê e do que se sente não cabe em nossas matérias, em emails ou papos por telefone. Por isso este blog se fez necessário, para que vocês compartilhem nossas experiências conosco e para que a gente mate um pouco da saudade de vocês.

Sikelel´iAfrika é um nome difícil, o que de cara já obriga os amigos a nos guardarem entre seus sites favoritos. Mas o escolhemos também pelo seu significado.
Literalmente, “Nkoza Sikelel´iAfrika” quer dizer “Deus abençoe a África”. Mas na história da África do Sul, quer dizer muito mais.

Esta foi uma canção composta em 1897 e que virou símbolo dos negros durante o Apartheid. Hoje, faz parte do hino do país.

Mas “Deus abençoe a África” também diz muito do que sentimos ao andarmos por aqui. De todos os clichês sobre o continente, o mais verdadeiro é o que fala sobre a alegria dos africanos - que às vezes nos parece até injustificada diante de tantas tragédias. Definitivamente, é uma gente que merece viver melhor.

Somos apaixonados pela África e esperamos que vocês sintam o mesmo nos acompanhando neste blog.

Então sejam bem-vindos.
E voltem sempre.