domingo, 13 de dezembro de 2009

Khayelitsha, uma township com vista pro mar


Nas estatíscas sul-africanas, Khayelitsha é uma das comunidades mais pobres e violentas do país. Para piorar, tem um índice de 33% de infectados pela Aids entre a população adulta. Mas à parte suas mazelas, o que eu vi lá foi um lugar vibrante e encantador, que dá o tom da riqueza cultural negra da África do Sul.


Khayelitsha é uma township, que são comunidades estabelecidas nas periferias das cidades pelo Apartheid para isolar a população não-branca. É mais ou menos como uma favela no Brasil, com a diferença de que favelas são, em geral, ocupações ilegais, mas voluntárias; townships, ocupações legais, porém forçadas.
Uma vantagem de Khayelitsha em relação a Soweto (a maior township do país), por exemplo, é que ela está na belíssima Cidade do Cabo. Por isso, ao invés de ruas de terra, as ruas são de areia branquinha. A comunidade está a menos de um quilômetro da praia mais próxima.

A comunidade tem um clima de cidade litorânea do interior. Em frente às casinhas simples, as mamas (forma respeitosa como as mulheres negras sul-africanas são chamadas) colocam suas cadeiras na sombra para jogar conversa fora. Crianças brincam soltas nas ruas - algo muito difícil de encontrar fora das townships.



Nas minhas andanças pelo lugar, passei pelo quintal de um barraco paupérrimo, onde crianças dançavam e uma mulher gastava o vozeirão enquanto lavava roupa. Perguntei se ela estava feliz naquele dia e ela me respondeu cantando: "sempre". Apesar de todas as difilcudades, ela havia escolhido ser feliz. A alegria daquela mulher me contagiou. E Khayelitsha ganhou um lugar especial nas minhas memórias africanas.


(Marta)

domingo, 6 de dezembro de 2009

O meu Flamengo


Dois mil e nove não é mais o ano em que eu saí de casa, que eu me mudei para a África, que eu vivi algumas das melhores experiências da minha vida. Desde este 6 de dezembro, 2009 é pra mim, em primeiro lugar, o ano em que o meu Flamengo foi hexacampeão brasileiro.


O último título havia sido em 1992, quando eu, então com nove anos, formei minha convicção, para sempre inabalável, de que o meu time era também, para a minha sorte, o maior clube do Brasil.


Só que os resultados dos últimos 17 anos não ajudaram. O Flamengo, que pela minha lógica não poderia nunca perder jogo algum para time nenhum, perdia campeonato atrás de campeonato. E eu ficava com aquela sensação de que não veria mais o Flamengo do tamanho que ele é.


Mas neste 6 de dezembro eu vi o meu Flamengo de novo, o número um do Brasil. Hoje o Flamengo foi hexacampeão brasileiro, mas foi, sobretudo, o meu Flamengo, gigante, aquele que eu aprendi a amar.


(Rafael)

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Sotaque português na África do Sul



Vira e mexe, eu e Rafael estamos numa loja fazendo compras e alguém pergunta se somos portugueses ao nos ouvir conversando. Respondemos que somos brasileiros e a pessoa se apresenta como descendente de portugueses. Além das nove etnias negras locais, dos sul-africanos de origem inglesa e dos africâneres (descendentes de holandeses), a África do Sul tem grandes comunidades portuguesas e gregas.

As naus de Diogo Cão e de Bartolomeu Dias foram as primeiras a aportar na costa sul-africana lá no século 15, mas não é por isso que eles estão aqui, são fatos bem mais recentes. Durante a colonização de Angola e Moçambique, Portugal mandou centenas de pessoas para povoar e desenvolver os países. Quando a guerra civil explodiu em ambos, ao invés de todos voltaram pra Portugal, uma parte se mudou para África do Sul.

Em Johanesburgo, eles se estabeleceram principalmente num bairro chamado Rosettenville. Dizem (eu nunca fui) que nas mercearias de lá você encontra feijão preto, farinha de mandioca e até goiabada. No resto da cidade, eles monopolizam as quitandas de frutas e verduras, e algumas cadeias de comida fast-food, como a Nando's. Aqui perto de casa tem uma dessas quitandas e, se não fosse pela portuguesa que trabalha lá, eu não teria encontrado folha de louro para colocar no meu feijão.

Ela é sul-africana de pais portugueses, como a maioria que mora hoje no país. A primeira língua é geralmente o inglês, mas o português é falado em casa e passado de geração em geração. No lugar onde jogo futebol, escuto várias meninas gritando "passa", "aqui", "chuta". É a tática que elas usam para que as demais jogadoras não entendam. Mas quando falam inglês, são sul-africanas como qualquer outra, sem qualquer sotaque. Só dá para identificá-las pelas camisas da seleção de Portugal e do Cristiano Ronaldo.

Em tempo: na Cidade do Cabo, alguns portugueses resolveram criar um time de futebol inspirado num clube brasileiro. O Vasco da Gama sul-africano tem mesmo nome, cores e uniforme bem parecido com o do time carioca. Até o futebol é semelhante: ele disputa a segunda divisão do campeonato nacional.

(Marta)

domingo, 22 de novembro de 2009

As cores da primavera "joburguiana"

Johanesburgo pode não ter as praias azulzinhas da Cidade do Cabo ou as montanhas belíssimas de Drakensberg, mas é, sim, uma cidade bonita e com atrações naturais. Principalmente agora na primavera com suas ruas decoradas com uma infinidade de cores e odores de flor. Caminhar pelas ruas numa manhã ensolarada de domingo não é um programa muito explorado pelos sul-africanos, que preferem lotar os shoppings centers. Pois eles não sabem o que estão perdendo. Tirei as fotos abaixo durante um passeio matinal no meu bairro.









(Marta)

sábado, 14 de novembro de 2009

O mistério da falta de bermudas


Pode procurar em um estádio da África do Sul, na beira do lago em Ruanda, nas ruas de Nigéria, Camarões, Gabão, Gana, Zimbábue... achar alguém de bermuda na África é quase tão difícil quanto ver um cachecol passeando na orla do Rio de Janeiro.

Não importa se está quarenta graus, se é meio-dia e se o sol está forte. Aqui não se vê quase ninguém com pouca roupa. Nas grandes cidades africanas, o uniforme é calça, camisa com manga e sapato.

E isso começa desde bem cedo, na escola. Normalmente as crianças vão para as aulas de terninho ou camisas compridas cheias de babado, calça e sapato social.

A razão disso eu não sei. Pode ser influência da colonização inglesa ou francesa, pode ser uma forma de se proteger do sol, pode ser moda ou, mais provavelmente, pode ser simplesmente um costume, uma tradição. Só sei que aos meus olhos brasileiros é tudo muito estranho.

Tenho pra mim que há de chegar o dia em que ouviremos falar da "Revolução das Bermudas" na África. E por todo o continente, milhões de pessoas irão às ruas, com tesouras nas mãos, cortar calças e camisas em sinal de liberdade, por uma vida mais fresquinha...
(Rafael)

Copa de 2010: a vez da África


Este blog fala sobre história, cultura e geopolítica africanas, mas também se propõe a ser um fórum de discussão sobre assuntos que interessam e interferem na vida de todo o planeta. Por isso, pedimos licença para tratar daquilo que é realmente relevante nesta vida: o futebol.


Neste sábado, mais dois africanos se garantiram na Copa do Mundo de 2010 - Camarões e Nigéria. Durante a semana, sairá mais um classificado entre Egito e Argélia. Meu palpite é que o Egito vai atropelar, o que não deixa de ser um forte indício de que a Argélia pode levar a vaga. Mas se eu contrariar meu retrospecto recente e acertar desta vez, teremos então as cinco grandes seleções africanas no Mundial. Na ordem de força, segundo minha avaliação, Costa do Marfim, Gana, Camarões, Egito e Nigéria. Todas têm bons jogadores, experiência e futebol suficiente para chegarem, no mínimo, às oitavas de final da competição.


Tradicionalmente, o futebol africano é sempre muito festejado antes das Copas, mas em campo jamais conseguiu passar das quartas de final. Desta vez, porém, manda aqueles que são, de fato, seus cinco melhores representantes, ao contrário de 2006, quando Angola, Togo e Tunísia foram passear na Alemanha. Além disso, todos jogarão com torcida a favor e provavelmente com aquela arbitragem amiga.


Por isso, com os "Big Five" na Copa, eu aposto numa gloriosa semifinal com uma seleção africana. Elas têm bola pra isso.


Infelizmente considero apenas cinco possibilidades porque a sexta representante, a África do Sul, minha preferida, parece longe de resolver sua eterna crise de relacionamento com o gol.


(Rafael)

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Uma vida no lixo



Marian vive há mais de 30 anos na Cidade do Lixo, um bairro imundo na periferia do Cairo. Mãe de quatro filhos, ela divide seu tempo entre cuidar das crianças e administrar uma barraca de frutas.


A Cidade do Lixo fica na maior metrópole da África, mas Marian poucas vezes largou sua rotina para passear pelas movimentadas ruas do Cairo. Ela não conhece as pirâmides de Gizé, nunca passeou pelo rio Nilo de barco, ou fez compras no famoso mercado Khan El Khalili.



Além de entender de frutas, Mariam conhece bem o lixo. Sabe direitinho o que é aproveitado para reciclagem, o que será dado aos animais, o que ela pode levar para as crianças brincarem. Até montar a vendinha de frutas, trabalhava na seleção do lixo que seu marido trazia em caminhões lotados várias vezes ao dia. A Cidade do Lixo concentra 60% do lixo do Cairo.


Todas as amigas de Mariam conhecem o lixo tão bem quanto ela. Os filhos de suas amigas também. Na verdade, é tudo o que conhecem. A maioria dos 30 mil habitantes da Cidade do Lixo é analfabeta e passa a vida separando os restos e dejetos que são trazidos do Cairo por seus maridos e irmãos.



A Cidade do Lixo não tem água encanada ou esgoto, está tomada por lixo e ratos, mas Marian nem cogita se mudar. Esta é a única realidade que ela conhece e a qual está acostumada.


(Marta)


quinta-feira, 22 de outubro de 2009

E lá se foi um grande personagem...

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Não vou discutir aqui se Joel Santana é bom técnico e se a Federação Sul-Africana acertou ou não em demiti-lo. Por ofício, o que mais me interessa não são os resultados dele, mas o grande personagem que ele é. Joel é o cara que improvisa nas frases feitas ("não vou chorar o leite que já caiu"), que manda uma metáfora atrás da outra ("o futebol é como o amor") e que sempre rende uma boa entrevista. No futebol isso não é pouca coisa.
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Como disse meu amigo Eduardo, Joel é o Zeca Pagodinho do futebol, porque não há como conversar com um dos dois sem se divertir, goste você ou não de samba ou de retranca.

Joel não faz o tipo "professor", com terno e gravata. Fala o seu inglês do subúrbio do Rio e assim já chegou muito longe na vida. Por isso, seria muito bom vê-lo chegar também a uma Copa do Mundo. Mas ao que parece, não será desta vez. Azar da Copa do Mundo.
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(Rafael)

domingo, 11 de outubro de 2009

O caos da cidade sem sinal



Imagine uma grande e movimentada avenida como a Presidente Vargas ou a Rio Branco sem sinal de trânsito? Agora coloque milhares de pessoas tentando atravessar a rua entre os carros, motoristas freando em cima de mulheres e homens, e um barulho ensurdecedor de buzina. Imaginou? Então, você tem a figura perfeita do que é o Cairo. Nesta gigante metrópole de 15 milhões de habitantes quase não há sinais ou passarela para os pedestres. Se o Cairro fosse Johanesburgo, ainda era um absurdo, porém um pouco mais compreensível já que na cidade sul-africana quase não se vê gente andando nas ruas. Mas não é o caso aqui. A capital do Egito é tão ou mais movimentado do que o Rio.

Usar a buzina virou um tique - elas servem para tudo: reclamar de um motorista mal-educado, chamar atenção de um pedestre, cumprimentar um amigo, chamar passageiros para taxis e ônibus, agradecer, etc. Na verdade, ela serve para tanta coisa que acaba servindo apenas para enfernizar ainda mais o trânsito.
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Aqui reina o "jeitinho egípcio". O cidadão aponta o carro e aos poucos vai pedindo passagem. O pedestre se aventura no trânsito maluco, o que obriga os carros a reduzir. É arriscado, mas no fim todos se entendem. Na verdade, até existem alguns sinais, mas poucos funcionam. Facilitar a vida das pessoas certamente não é a prioridade do presidente-múmia do Egito, que está há 28 anos no poder.

Outra curiosidade sobre o trânsito egípcio é que aqui não tem hora do rush, ele é caótico das 8h da manhã à 1h da madrugada. Esta quinta (no Egito, o fim de semana começa na sexta, e o domingo deles é a nossa segunda-feira) pegamos engarrafamento à meia-noite, saindo de uma pizzaria. A cidade estava a todo vapor. As ruas lotadas de gente e muitas lojas abertas. É a primeira vez que eu vejo uma quitanda de frutas funcionando meia-noite e meia. Lavanderias, lojas de roupa, restaurantes...tudo aberto.
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No Egito é assim, as madrugadas são mais agitadas do que as manhãs. Muitas lojas abrem meio-dia para só fechar meia-noite. Dizem que no inverno é um pouco diferente. Além do calor, esse hábito é possível porque o país é muito seguro - índices baixíssimos de assalto, furto e assassinato. Há muitos policiais na rua - muito mais para manter a ordem e não ameaçar a estabilidade do governo ditatorial que comanda o país, do que para proteger a população.
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(Marta)

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

A cidade que acorda às seis da tarde



Para quem mora na minha querida Johanesburgo, três coisas no Egito encantam imediatamente:

A primeira é o suco. Ao contrário das insuportáveis caixinhas sul-africanas, aqui o suco é natural e normalmente vem até com pedaços de fruta. Delicioso.


A segunda é o transporte. Há trens e ônibus entre as cidades e uma frota aparentemente interminável de táxis. Os veículos não são modernos, mas andar neles é barato. Cada corrida de táxi me custa, em média, 1 dólar (o valor é negociado na hora, porque não há taxímetro). Mas muitas vezes nem preciso recorrer a eles, porque vou a pé de um canto a outro, mesmo debaixo de sol, mesmo um pouco distante, só para lembrar da sensação de andar na rua. Parece coisa boba, mas para quem vem de Johanesburgo não é.


E a terceira é a vida noturna. Em qualquer dia da semana, de trabalho ou de descanso, as ruas ficam cheias depois das 10 da noite em Port Said. Lojas abertas, trânsito, meninos jogando bola na praça, restaurantes movimentados, tudo funcionando. As coisas aqui começam mais tarde (pela primeira vez vi um hotel servindo café-da-manhã até o meio-dia) e fica difícil até almoçar às 13h, porque a maioria dos restaurantes ainda não abriu.


Minha teoria, talvez furada, talvez não, é de que o sol forte, presente dia sim e no outro também, faz com que as pessoas prefiram circular a partir do fim de tarde. É totalmente diferente de Johanesburgo, onde o dia começa às 7h e a cozinha dos restaurantes fecha à meia-noite nos sábados.


Só não sei dizer a que horas Port Said dorme, porque eu sempre vou dormir antes dela.


(Rafael)

domingo, 4 de outubro de 2009

Classificados

Se você procura um trabalho tranquilo, sem muita pressão, candidate-se à vaga de meteorologista no Egito. Não tem erro, a previsão do tempo é quase sempre a mesma: céu claro, sol forte e temperaturas próximas ao insuportável.

Se você pretende ficar rico, experimente abrir uma empresa de limpeza pública por aqui. Garanto que a concorrência, se existe, é bem pequena.

Já se você busca estabilidade profissional, então o melhor cargo é o de presidente do Egito. O último vestiu a faixa em 1981 e está com ela até hoje.

(Rafael)

sábado, 3 de outubro de 2009

2016: agora vai?!


A vitória do Rio para sediar as Olimpíadas de 2016 causou grande comoção nacional e acabei me rendendo à festa. Até os 45 minutos do segundo tempo, eu era totalmente contra a realização do evento na cidade. A experiência no Pan-Americano de 2007 foi bastante frustrante, com superfaturamento e uma corrupção deslavada do nosso querido COB. Mais do que isso, vimos o Rio perder uma ótima oportunidade para sair da decadência, de investir de verdade em infraestrutura, enfim, de tornar a vida do carioca mais civilizada. As instalações esportivas viraram "elefantes brancos" e pouco foi feito para incentivar o surgimento de novos talentos no esporte. Foram gastos bilhões dos cofres municipais para conseguir terminar as obras a tempo e com isso a conservação da cidade foi completamente esquecida. Andar pelo Rio hoje é desviar de buracos e lixo por toda parte. Há um cheiro de mijo permanente nas ruas do Centro e da Lapa. Conseqüências do abandono do último mandato de César Maia.
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O primeiro legado do Pan são as Olimpíadas de 2016. As instalações esportivas construídas para 2007 e o "sucesso" do evento aumentaram a confiança do Comitê Internacional de que o Rio daria conta do recado. Mas e o resto? A maior parte dos projetos não saiu do papel, entre eles a construção da Linha 4 do metrô -ligando zona sul-Barra- e a despoluição da Baía de Guanabara. O cidadão comum pouco se beneficiou do Pan.

Meu medo é que aconteça a mesma coisa em 2016, por isso era contra esta candidatura. O que me fez mudar de ideia? Minha ida ao Rio em setembro. Depois de seis meses morando em Johanesburgo (com todos os problemas que infraestrutura que há aqui), fiquei muito espantada com a situação do Rio. A ex-capital brasileira está na UTI e precisa urgente de um transplante generalizado. Transplante de ônibus, de trem, de viadutos, de túneis, de asfalto, de segurança, de educação (do povo principalmente), de vergonha na cara. Com tudo que vejo acontecer na cidade que já adotei como minha há alguns anos, comecei a questionar o que precisa ser feito para que o choque de ordem criado de Paes realmente surta efeito lá.
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Em poucos dias na cidade, fiquei sabendo que depois de criticar veemente a Cidade da Música de César Maia, nosso prefeito Eduardo Paes tem planos de iniciar um projeto parecido na zona portuária – quer construir um mega aquário -, que certamente terá o orçamento inicial de alguns poucos milhões e terminará quase na casa dos bilhões. Sobre o assunto minha mãe falou muito sabiamente: “Deveria haver uma lei mais rigorosa para impedir as ideias megalomaníacas de nossos prefeitos”. E meu pai completou: “Um prefeito deveria entender que seu papel deve se limitar a tornar a vida do cidadão mais fácil, precisamos de acesso a serviços básicos, e não de projetos como esses”.
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Comecei a questionar novamente o futuro da cidade. Será que Paes se limitaria a tornar nossa vida mais fácil? Duvido muito. Foi quando passei a depositar minhas últimas esperanças nestas Olimpíadas, além da Copa de 2014, claro. É preciso que aconteça alguma coisa muito grande e importante (muito mais do que um Pan-Americano) para sacudir de vez a cidade. Além disso, preciso confiar de que vai dar certo a ser uma daquelas pessoas pessimistas que alegam que o país não tem jeito e enchem o peito para falar, ao final: "Não avisei?". As Olimpíadas terão uma fiscalização muito mais rigorosa e pressão internacional para que as promessas de campanha sejam cumpridas. Pelo menos, a maior parte delas. Não tem jeito, o Rio terá que mudar e se reinventar. Mas é preciso planejamento e fiscalização, principalmente por parte de nós brasileiros.

Eu passei a depositar todas as minhas fichas neste evento. Tanto que tive uma reação totalmente inesperada quando o presidente do COI anunciou a cidade campeã. Chorei compulsivamente como uma criança e passei a noite pensando no que precisa ser feito na cidade. Esta vitória me tirou o sono e resgatou um otimismo raro em se tratando do Rio de Janeiro. Se não for agora, então acho que perderemos nossa última chance.
(Marta(

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Amigos: não saia do Egito sem fazer os seus



O primeiro egípcio que conheci nesta viagem foi Tamal. Um engenheiro de uns 35 anos que mora em Luanda, capital de Angola, e visita a família a cada dois meses. Ele sentou ao meu lado no vôo entre Johanesburgo e o Cairo e após oito horas de viagem saí do aeroporto com o telefone dele anotado.

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- Pode me ligar se precisar de qualquer coisa - me disse ele.

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No primeiro dia em Port Said, conheci Ahmed, um técnico de informática de 23 anos que trabalha na organização do Mundial Sub-20. Me apresentei e quis saber onde eu poderia comprar cartões pré-pagos de celular. Ele imediatamente levantou-se, me levou até uma banca e antes que eu abrisse a carteira me entregou os cartões.

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- Deixa que eu pago, não tem problema, é um prazer - ele disse.
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Depois conheci Osama (não é piada), um voluntário da organização do Mundial que a cada dia me pergunta em média 20 vezes se eu preciso de alguma coisa. Sempre sorrindo, já tirou foto comigo dois dias seguidos e ficou feliz da vida quando eu pedi a ele que me acompanhasse para traduzir uma entrevista.

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Em outro dia, perguntei a um voluntário se ele tinha um cabo de computador para me emprestar. Ele disse que não, mas lamentou tanto que parecia que o Egito tinha acabado de perder uma final de Copa do Mundo. Ok, não tem problema, eu respondi, mas dez minutos depois o tal cabo apareceu na mesa em que eu estava. O voluntário tinha ido comprá-lo na rua pra mim.

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E tem também o Gamal, o Motaz e o Yasser, todos egípcios que insistiram em entrar na minha agenda de celular.

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- Se você precisar de qualquer coisa aqui no Egito pode me ligar - repetiram eles.
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Pode ser até que depois de 20 dias de viagem eu me canse de tanta simpatia, prestatividade e atenção. Mas se isso acontecer, o problema será comigo. Porque gentileza nunca é demais e nisso eles são craques.


(Rafael)

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O conto de fadas africâner


Semana passada estivemos em Orania, uma pequena cidade no interior da África do Sul e um dos lugares mais impressionantes que já visitei. Orania tem aproximadamente 700 habitantes, todos brancos africâneres, grupo formado por descendentes dos colonizadores holandeses, o mesmo que criou o Apartheid em 1948. Os africâneres representam hoje 6% da população do país.



A vida em Orania é um conto de fadas. Crianças lourinhas brincam sossegadas pelas ruas tranquilas e limpas da cidade, sob o olhar orgulhoso de suas mães. Lá não há violência, as casas têm muros baixos e jardins bem cuidados; jovens se divertem nas águas limpas do rio Orange; quase tudo que é consumido na cidade é produzido pela própria população nas fazendas e comércios locais. A cidade desenvolveu um método próprio de ensino, em que os alunos estudam a lição sozinhos em casa e depois são testados por um programa de computador. Parece que o programa já foi exportado para várias cidades e até mesmo para outros países. Mas há também uma segunda escola para quem prefere o sistema tradicional.



Orania tem até moeda própria, o Ora, que vale a mesma coisa que o Rand sul-africano. O símbolo da cidade, presente nas placas e na sua bandeira (isso mesmo, Orania tem até bandeira) é um garoto arregaçando as mangas, como sinal de trabalho. Quem mora em Orania diz que não trocaria lá por lugar nenhum. Pudera...

Só que por trás desse rótulo romântico, há uma cidade preconceituosa e triste. Ela é o maior exemplo de como a África do Sul ainda é um país segregacionista. Orania foi fundada três anos antes de Nelson Mandela chegar ao poder, em 1994, e assim decretar oficialmente o fim do Apartheid. Um negro no governo poderia significar o fim da cultura e soberania africâner, e por isso algumas pessoas resolveram criar em Orania o modelo da África do Sul ideal, em que culturas diferentes não devem se misturar.



Os moradores de Orania alegam que o que move a cidade é uma questão cultural e não racial. Tanto que brancos de origem inglesa também não são bem-vindos. O lugar é aberto aos turistas, mas morar lá é uma outra história, é preciso provar ser um genuíno africâner. A diversidade de raças, idiomas e culturas é um dos aspectos mais fascinantes da África do Sul, mas não tem vez em Orania. Em pleno século 21, uma cidade escolheu o isolamento como a única forma de preservar a língua e os costumes de seu povo.

(Marta)

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Nossos bichinhos de estimação

Você já viu um tigre abraçando um homem?


Um leão que cabe no bolso?
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Ou um pássaro que parece gente?
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A capital do diamante


Um amistoso sem graça e de baixo nível técnico entre as seleções da África do Sul e de Madagascar nos levou à Kimberley, capital da província de Northern Cape (Cabo Setentrional, em português), conhecida como a capital dos diamantes. Kimberley fica bem no centro do país e no século 19 foi uma das cidades mais importantes da África do Sul. Na região onde fica a cidade foi encontrado o primeiro diamante sul-africano em 1860.

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A criação de Kimberley se mistura com a corrida e exploração do diamante, assim como a história de Johanesburgo se confunde com a descoberta do ouro no país. Kimberley é uma cidade histórica que preserva casas e igrejas de arquitetura do século 19. O local onde funcionava a principal mineradora do município foi todo restaurado e as casas antigas preservadas. Virou uma espécie de museu ao ar livre. Até o antigo bonde continua lá. Uma pousada oferece estadia dentro da vila. Há também bares e cafés.
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Durante o dia Kimberley é bastante agradável. A cidade é arborizada e bonita, mas à noite esbarra no problema de quase toda cidade sul-africana: bares e restaurantes fecham muito cedo e Kimberley vira uma cidade fantasma. Falta iluminação pública e oito horas da noite parece, na verdade, três da manhã. Por outro lado, às sete horas da manhã as ruas já estão cheias de carros e de gente. Os dias na África do Sul começam e terminam mais cedo.
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(Marta)

domingo, 20 de setembro de 2009

Buracão



A foto acima é de um lago bastante peculiar. Chama-se "Big Hole" ou, no nosso querido português, "Buracão". Suas águas calmas e verdinhas escondem um passado glorioso, mas também trágico. No fim do século 19, antes que o primeiro diamente fosse encontrado na África do Sul (em 1860), ali só havia pequenas colinas, sem qualquer sinal de água. Quando descobriu-se que o local era rico em diamantes, uma infinidade de garimpeiros partiu pra lá em busca de enriquecimento rápido. As escavações desenfreadas foram abrindo buracos pelo terreno até que o chão cedeu, formando esta imensa cratera.

O Big Hole tem nada menos do que 214 metros de profundidade e 1,6 quilômetros de extensão. A profundidade do lago é de 41 metros. Logo após o incidente, as escavações foram interrompidas, mas não se sabe quantas pessoas morreram ali devido à corrida do diamante.

Dizem que é impossível chegar à superfície do lago sem auxílio de balões de oxigênio, pois lá embaixo o ar é muito rarefeito. Uma plataforma de metal erguida numa antiga mineradora é o mais perto que os visitantes podem chegar da cratera. O Big Hole é hoje a principal atração turística de Kimberley, cidade a 600 quilômetros de Johanesburgo. E não deixa de ser também uma pequena lição sobre a África:
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Lá é um lugar lindo, magnífico.
É um símbolo da riqueza dessas terras.
Mas também faz pensar: quantas pessoas morreram à procura de ouro e diamante em todo o continente e quantas pessoas realmente se beneficiaram com isso?
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(Marta)

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Essa camisa amarela


Tinha sete anos quando assisti à minha primeira Copa do Mundo, em 90. Não é de se estranhar, portanto, que minha relação com a seleção brasileira tenha nascido estremecida. E como pra mim, garoto ingênuo, uma Copa tratava-se apenas de um torneio de futebol, não havia razão para que eu torcesse por aquele time horrível de camisa amarela. Então decidi virar Alemanha depois que ela ganhou a Copa.

"Virei" mesmo, de acompanhar pela TV toda a Eurocopa de 92 e lamentar nossa derrota na final para a Dinamarca. Já na Copa América de 93 nem me incomodei com a eliminação do Brasil para a Argentina - acho até que gostava mais da Argentina, por causa do Batistuta.

Em 94, o Brasil ganhou depois de 24 anos, ok, mas para um menino de 11 anos a vitória não teve significado especial. O que eu sabia é que havia visto duas Copas na vida e que, em nenhuma delas, o Brasil tinha dado show. A Alemanha também não foi bem, perdeu para a Bulgária. Eu até poderia ter virado Romênia, que bateu um bolão, mas depois daquela Copa desisti deste negócio de torcer por seleção.

Acho que só lá pela Copa de 2002 é que passei a torcer pelo Brasil e, assim mesmo, apenas em jogos importantes (ou seja, em Copa do Mundo ou contra grandes seleções). Seleção pra mim era como uma daquelas tias que a gente tem que gostar porque é da família e que a gente até acha legal de encontrar, desde que em ocasiões especiais.

E não foi nenhum gol ou título que me fez mudar de sentimento. Foi a admiração que a seleção brasileira desperta no exterior. Aqui na África, por exemplo, sempre que menciono que sou brasileiro meu interlocutor abre um sorriso, desanda a listar nossos grandes jogadores, transferir as qualidades do nosso time para o nosso país, falar bem, muito bem, do meu Brasil. Quase me sinto parte da seleção, como se eu, e não o Lúcio, tivesse dado aquela cabeçada fantástica na virada contra os Estados Unidos.

A seleção me lembra a farofa da minha mãe, o abraço do meu pai, a música brasileira, o Maracanã lotado, o Arpoador. E como não dá pra falar disso tudo com os gringos, visto aquela camisa amarela, cinco estrelas no peito, e saio por aí com a naturalidade de quem sabe que veio do melhor lugar do mundo.

(Rafael)

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Um luso-sãotomense rubro-negro no Gabão

O nome dele é Seu Carvalho.

- E não tire este V do meu nome, hein porra - diz com seu sotaque português.

Seu Carvalho nasceu em São Tomé e Príncipe, um pequeno arquipélago africano. Poderia torcer pelo Andorinha Sport Club, mas preferiu um time mais popular.

Ele vive há 38 anos no Gabão. Poderia ter virado Mangasport, mas preferiu um time com mais história.

É descendente de portugueses. Poderia ser Vasco, mas preferiu um time de primeira divisão.

Como africano, poderia fazer como tantos outros no continente e torcer pelo Manchester United, mas preferiu um time mais vitorioso.

Seu Carvalho é Flamengo. Até hoje descreve com detalhes um gol de falta que Bebeto fez com a camisa rubro-negra num torneio aqui em Libreville, em 1987.

- Sou muito Flamengo mesmo, porra - diz com orgulho.

A razão disso eu não sei. Só sei que se fosse um país e ficasse na África, o Flamengo teria a nona maior população do continente, à frente de outros 45 países.
(Rafael)

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Zim

Afora os problemas políticos - e tudo o que isso causa à população - o Zimbábue me pareceu um país bem legal. A capital Harare ainda preserva uma boa estrutura dos tempos de Rodésia e dos primeiros anos de independência, as ruas são enfeitadas de grandes árvores por todos os lados, relativamente limpas e seguras. Mas o mais encantador são mesmo as pessoas, muito pacíficas e educadas.

As duas fotos acima são minhas e as duas abaixo são de Edu Bernardes, craque nesse negócio de captar belas imagens.


(Rafael)

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O dono do Zimbábue


O Zimbábue é um país de trajetória peculiar: o maior herói da história de lá é também o seu maior vilão. Robert Mugabe foi o líder da independência do país, em 1980. Só que desde então é o presidente, chefe, senhor, dono, deus do Zimbábue. Nas últimas eleições, ano passado, o povo disse que não o queria, deu mais votos a Morgan Tsvangirai no primeiro turno. E daí? Votos não valem nada contra ele. Aos 85 anos, Mugabe só sai do poder quando quiser. E ele não quer.

O que Mugabe fez, em linhas gerais, se assemelha ao trabalho de Nelson Mandela na África do Sul. Ele dedicou sua vida a uma causa, se lapidou intelectualmente, esteve preso, tudo para, em tese, livrar os negros zimbabuanos do domínio colonial dos brancos. Se tivesse morrido nos anos 80, logo após a independência, até hoje seria celebrado como libertador e provavelmente teria seu rosto estampado em camisas por aí.

Mas Mugabe ficou. Montou um aparato de segurança gigantesco e fez do país o seu quintal. Aos poucos se transformou num tirano - ou, o que é mais provável, simplesmente revelou sua essência.

E é aí que a obra de Mugabe se descola totalmente da de Mandela. Os dois chegaram ao poder em nome do povo. A diferença é que cinco anos depois de um governo de transição dificílimo, Mandela decidiu não disputar a reeleição a que teria direito. Se fizesse isso, certamente ganharia. Só que ele escolheu trabalhar (legitimamente) para a vitória do seu partido e depois ir para casa. Mandela poderia governar até hoje, seja pessoalmente ou usando filho, neto, ex-esposa ou papagaio como escudo. Mas deixou que a África do Sul, bem ou mal, seguisse o seu caminho e encontrasse novos líderes.
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O tempo mudou a biografia de Mugabe e de Mandela.
Um virou algoz no Zimbábue.
O outro ganhou aura de santo na África do Sul.
(Rafael)

domingo, 30 de agosto de 2009

Na estrada de Ruanda

Numa tarde, durante nossa viagem a Ruanda, o motor da van que alugamos começou a ferver e precisamos parar no acostamento. Estávamos a menos de duas horas da capital Kigali, num ponto da estrada aparentemente despovoado. Pois cinco minutos depois fomos surpreendidos por um grupo de meninos e meninas que se aproximaram do nosso carro.


De pés descalços e segurando cadernos da escola, seus olhos brilhavam de curiosidade e excitação por terem se deparado com um grupo de estrangeiros brancos sentados no meio fio. Os meninos não falavam nada, mas pareciam maravilhados com a nossa presença. Seus olhinhos acompanhavam cada um de nossos movimentos, como se nós fossemos os artistas e eles a platéia. O repórter Regis Rosing começou a brincar com os garotos, que repetiam tudo o que ele falava e davam risada. Alguns deles sumiam no meio do mato e voltavam com galões de água para ajudar a esfriar o motor.

Uma hora depois conseguimos seguir viagem, mas logo o carro voltou a ferver e fizemos nova parada. Já era noite e a única luz vinha das estrelas. O lugar parecia ainda mais deserto. No entanto, logo percebi que não estávamos sozinhos. A um metro do carro, um adolescente que caminhava na beira da estrada parou seu trajeto para nos observar. Dois minutos depois, uma mulher com duas crianças encostaram ao lado do rapaz. Ficaram lá totalmente imóveis por mais de meia hora, apenas nos observando. Pouco depois, um grupo também parou do outro lado da estrada.

Se fosse na África do Sul, já estaria morrendo de medo. Mas não em Ruanda. Apesar de todo seu passado trágico - mais de um milhão de pessoas morreram no genocídio de 1994 - o país é hoje um dos mais seguros da África. Os ruandeses são um povo muito acolhedor e pacífico.

Mal dava para ver a expressão daquelas pessoas, mas elas pareciam felizes pelo simples fato de estarem ali nos observando. Era mais atraente ficar li no escuro, na beira da estrada, do que voltar para casa. Perguntei ao nosso motorista o porquê daquilo e ele emendou:

- Ruanda é um país essencialmente rural, não há diversão ou o que se fazer por aqui. Então, vocês se tornaram a atração dessas pessoas. Vocês são diferentes de tudo o que elas conhecem - explicou.

Quem diria que um grupo de jornalistas branquelos e um carro quebrado poderiam trazer alegria a tanta gente. Só mesmo em Ruanda.
(Marta)

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Ainda sobre Semenya


O drama envolvendo a jovem atleta de 18 anos voltou a pegar fogo ontem, depois que exames médicos realizados em Semenya na África do Sul antes do Mundial de Atletismo revelaram que a atleta, vencedora da medalha de ouro nos 800 metros em Berlim, tem níveis de testosterona três vezes superiores do que o normal numa mulher.

O diário britânico Daily Telegraph revelou que o treinador da equipe nacional da África do Sul é Ekkart Arbeit, que nos anos 80 esteve envolvido num escândalo de doping. Arbeit foi acusado por uma das suas atletas, Heidi Krieger, de forçá-la a tomar esteróides anabolizantes, o que a obrigou a mudar de sexo em 1997.

No entanto, o Parlamento sul-africano disse que vai interpelar a ONU para que ela denuncie a Federação Internacional de Atletismo (IAAF) por violação dos direitos humanos no caso da atleta. Mesmo que seja comprovado que ela na verdade é ele, concordo com Rafael quando ele diz que a federação deveria ter feito os exames antes de Semenya disputar a prova, e assim evitar tanto constrangimento.

(Marta)

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A arte de (não) andar pelas ruas de Joburgo

Certa vez um amigo da Marta perguntou em tom de brincadeira: “Você sabe por que as mulheres brancas de Johanesburgo não têm bunda?” E emendou: “Porque elas levantam do sofá e sentam no carro, levantam do carro e sentam no restaurante, levantam do restaurante e sentam no cinema, chegam em casa e sentam no sofá.”

Mas a piada bem que poderia ser estendida à quase toda população da cidade. Porque para qualquer coisa que se faça por aqui é preciso ter um carro - inclusive para ir a uma concessionária comprar um carro.

Quem não tem um precisa apelar para um sistema de transporte praticamente inexistente. Só há vans em más condições e raríssimos ônibus (que, mesmo assim, circulam em áreas restritas da cidade).

Andar a pé não é uma opção. Primeiro, por causa da organização de Johanesburgo, toda cortada por longas (e ótimas) rodovias, como uma típica cidade americana, em que negócios e entretenimento estão distantes das áreas residenciais. Segundo, e provavelmente mais relevante, por conta da violência urbana. Johanesburgo é, sim, uma cidade perigosa, mas não é diferente do Rio ou de São Paulo. A diferença é que aqui parece que as pessoas decidiram simplesmente não andar mais nas ruas. Isso, obviamente, não serviu para diminuir a violência, só para ampliar o medo.

É raro encontrar faixa de pedestre. Caminhar, como nós já fizemos algumas vezes durante o dia, causa desconforto. Não por medo, mas pelo vazio das calçadas. Por falta de uso, aliás, elas muitas vezes acabam virando enormes jardins nas áreas residenciais.

Em Johanesburgo, quase não se vê casais se beijando na rua, o dono passeando com seu cachorro ou os amigos voltando juntos do colégio. Aqui, as esquinas são mais tristes.



(Rafael)

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Malema


Esqueci de um detalhe importante sobre a chegada de Semenya. Foi patético ver o presidente da Liga Jovem do Congresso Nacional Africano (CNA), Julius Malema, posando de herói ao lado de Semenya na hora da confusão. Malema grudou no pescoço da atleta e parecia um segurança pit bull gritando para que as pessoas saíssem de sua frente. Logo ele, que chegou meia hora antes de Semenya aparecer no saguão, às 10h, enquanto alguns jornalistas e amigos estavam lá desde às 6h30.

Para quem não conhece Malema, ele é uma das principais figuras do CNA, partido que levou Mandela ao poder em 94 e que reina absoluto no governo desde então. No entanto, bem diferente de Mandela, o cara é um verdadeiro idiota e é chegado à uma declaração polêmica. A última foi há três semanas, quando acusou o presidente Jacob Zuma de preterir os negros em cargos do gabinete econômico. Malema se irritou porque Zuma escolheu Gill Marcus, uma branca, para a função.
Malema é apontado como provável futuro presidente da África do Sul.
(Marta)

A recepção da Menina de Ouro



Uma recepção bem ao estilo africano para a Menina de 0uro da África do Sul - cheia de alegria e desorganização. Quase duas mil pessoas se espremeram no saguão do Aeroporto Internacional de Johanesburgo, na manhã desta terça-feira, para dar as boas-vindas à Caster Semenya, campeã mundial dos 800 metros no Mundial de Atletismo, em Berlim. Muitas pessoas carregavam cartazes que diziam: "Nossa primeira dama do esporte", "Menina de Ouro" e "Caster, você é linda".

Porém, o que começou como uma festa bonita e animada, típica dos sul-africanos, poderia ter acabado mal, devido à incompetência da polícia em isolar o local por onde sairiam os atletas.


Duas horas antes da delegação de atletismo desembarcar, amigos e familiares comandavam dancinhas e músicas no saguão do aeroporto. Os sul-africanos são um povo muito animado e não perdem uma oportunidade para mostrar que são os reis do rebolado. E claro, não poderiam faltar as vuvuzelas.

O avião atrasou muito e enquanto Semenya não aparecia, mais curiosos e jornalistas se amontoavam no lugar. Até que ficou insuportável. Não dava nem para se mexer direito. Eu e Rafael nos entreolhamos e apostamos: "93% de chances de dar merda”. (Na foto abaixo, amigos e familiares dançam e cantam em voltam de recortes de jornal que têm a foto de Semenya na capa).

Pois na hora em que Semenya saiu no saguão, uma onda de jornalistas, amigos e curiosos atravessou o isolamento precário feito pela polícia. Eu e Rafael fomos carregados pela multidão. Algumas mulheres acabaram caindo no chão com o empurra-empurra. Eu levei um chega-pra-lá de um policial. E o que era para ser uma recepção linda, acabou assim: quase ninguém conseguiu ver Semenya, que sumiu na barreira policial.

Ah, além de Semenya, outros dois sul-africanos conquistaram medalhas no Mundial de Berlim. Khotso Makgale foi prata no salto em distância e Mbulaeni Mulaudzi repetiu o feito de Semenya e foi campeão dos 800 metros masculino. Mas eles acabaram ofuscados pela polêmica e comoção em torno da atleta, que ainda aguarda os resultados dos exames feitos pela Federação Internacional de Atletismo (IAAF) para provar se ela é mulher.

(Marta)

sábado, 22 de agosto de 2009

Como se faz o hino de um país de 11 línguas?




Vocês já pararam pra pensar na complexidade de um país com 11 idiomas oficiais como a África do Sul? Aqui funciona assim: o sujeito está lá vendo uma partida de futebol, narração em Inglês, quando de repente outro narrador assume o microfone e começa a contar o jogo em Zulu ou Sesotho. Acontece também na novela – os personagens mudam de língua numa mesma cena e surge uma legenda em Inglês para não deixar ninguém boiando.

Por causa desta variedade de idiomas, quase todo mundo aqui sabe pelo menos dois deles. Esta, aliás, é uma característica comum a praticamente todo o continente. Centenas de milhões de africanos aprendem suas respectivas “línguas da colonização” (normalmente inglês, francês ou português), mas não abandonam seu idioma de origem – inclusive preferem usá-lo nas conversas entre eles.

Sim, língua é também identidade. E se a África do Sul pós-Apartheid queria construir um Estado plural, por que privilegiar apenas uma ou duas delas? Decidiu-se então que o país teria 11 idiomas oficiais. Mas como fazer o hino deste novo país?

Não dava para manter o antigo hino em Afrikaans, dos brancos de origem holandesa. Fazê-lo todo em Inglês também não adiantava, porque apesar de este ser o idioma mais falado do país é a língua-mãe de menos de 10% da população. Decidiu-se então por uma canção híbrida. A primeira estrofe, em Xhosa e Zulu, é um trecho de "Nkozi Sikelel’iAfrika", que batiza este blog. A segunda estrofe é em Sesotho. A terceira, em Afrikaans, é uma parte do hino anterior. E a quarta é em Inglês.

Durante a Copa das Confederações, a FIFA experimentou tocá-lo parcialmente, como é de praxe em suas competições. Acabou causando uma grande polêmica por aqui, porque ninguém queria ver seu “pedaço” de fora. No fim das contas, o hino da África do Sul é como o país – cheio de diversidade, de divisões, mas muito bonito. Para ouvi-lo é só clicar no vídeo acima.
(Rafael)

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Neve na África?


Fale a verdade. A foto acima não combina muito com seu estereótipo de África: lugar quente, de temperaturas acima dos 30°C durante o ano todo. Pois aqui também neva. É raro, mas acontece. Os picos cobertos de gelo da foto ficam na região central de Drakensberg, a cinco horas de carro de Johanesburgo. Está a menos de duas horas de Lesoto, um pequeno país encravado no interior da África do Sul. Em Lesoto também costuma nevar durante o inverno.

As montanhas de Drakensberg são um destino turístico bastante badalado entre os sul-africanos. Muitas famílias passam os feriados e as férias por lá. O lugar é realmente maravilhoso. Além da visão exuberante das montanhas, há muito espaço verde e cachoeiras, ideal para atividades ao ar livre e caminhadas. Bem diferente da movimentada e barulhenta Joburgo. A boa em Drakensberg é alugar uma casa na região e levar a família e os amigos. Sai muito mais barato do que ficar em hotel.
(Marta)