



(Marta) 



(Marta) 
Dois mil e nove não é mais o ano em que eu saí de casa, que eu me mudei para a África, que eu vivi algumas das melhores experiências da minha vida. Desde este 6 de dezembro, 2009 é pra mim, em primeiro lugar, o ano em que o meu Flamengo foi hexacampeão brasileiro.
O último título havia sido em 1992, quando eu, então com nove anos, formei minha convicção, para sempre inabalável, de que o meu time era também, para a minha sorte, o maior clube do Brasil.
Só que os resultados dos últimos 17 anos não ajudaram. O Flamengo, que pela minha lógica não poderia nunca perder jogo algum para time nenhum, perdia campeonato atrás de campeonato. E eu ficava com aquela sensação de que não veria mais o Flamengo do tamanho que ele é.
Mas neste 6 de dezembro eu vi o meu Flamengo de novo, o número um do Brasil. Hoje o Flamengo foi hexacampeão brasileiro, mas foi, sobretudo, o meu Flamengo, gigante, aquele que eu aprendi a amar.
(Rafael)

Vira e mexe, eu e Rafael estamos numa loja fazendo compras e alguém pergunta se somos portugueses ao nos ouvir conversando. Respondemos que somos brasileiros e a pessoa se apresenta como descendente de portugueses. Além das nove etnias negras locais, dos sul-africanos de origem inglesa e dos africâneres (descendentes de holandeses), a África do Sul tem grandes comunidades portuguesas e gregas.
As naus de Diogo Cão e de Bartolomeu Dias foram as primeiras a aportar na costa sul-africana lá no século 15, mas não é por isso que eles estão aqui, são fatos bem mais recentes. Durante a colonização de Angola e Moçambique, Portugal mandou centenas de pessoas para povoar e desenvolver os países. Quando a guerra civil explodiu em ambos, ao invés de todos voltaram pra Portugal, uma parte se mudou para África do Sul.
Em Johanesburgo, eles se estabeleceram principalmente num bairro chamado Rosettenville. Dizem (eu nunca fui) que nas mercearias de lá você encontra feijão preto, farinha de mandioca e até goiabada. No resto da cidade, eles monopolizam as quitandas de frutas e verduras, e algumas cadeias de comida fast-food, como a Nando's. Aqui perto de casa tem uma dessas quitandas e, se não fosse pela portuguesa que trabalha lá, eu não teria encontrado folha de louro para colocar no meu feijão.
Ela é sul-africana de pais portugueses, como a maioria que mora hoje no país. A primeira língua é geralmente o inglês, mas o português é falado em casa e passado de geração em geração. No lugar onde jogo futebol, escuto várias meninas gritando "passa", "aqui", "chuta". É a tática que elas usam para que as demais jogadoras não entendam. Mas quando falam inglês, são sul-africanas como qualquer outra, sem qualquer sotaque. Só dá para identificá-las pelas camisas da seleção de Portugal e do Cristiano Ronaldo.
Em tempo: na Cidade do Cabo, alguns portugueses resolveram criar um time de futebol inspirado num clube brasileiro. O Vasco da Gama sul-africano tem mesmo nome, cores e uniforme bem parecido com o do time carioca. Até o futebol é semelhante: ele disputa a segunda divisão do campeonato nacional.

Este blog fala sobre história, cultura e geopolítica africanas, mas também se propõe a ser um fórum de discussão sobre assuntos que interessam e interferem na vida de todo o planeta. Por isso, pedimos licença para tratar daquilo que é realmente relevante nesta vida: o futebol.
Neste sábado, mais dois africanos se garantiram na Copa do Mundo de 2010 - Camarões e Nigéria. Durante a semana, sairá mais um classificado entre Egito e Argélia. Meu palpite é que o Egito vai atropelar, o que não deixa de ser um forte indício de que a Argélia pode levar a vaga. Mas se eu contrariar meu retrospecto recente e acertar desta vez, teremos então as cinco grandes seleções africanas no Mundial. Na ordem de força, segundo minha avaliação, Costa do Marfim, Gana, Camarões, Egito e Nigéria. Todas têm bons jogadores, experiência e futebol suficiente para chegarem, no mínimo, às oitavas de final da competição.
Tradicionalmente, o futebol africano é sempre muito festejado antes das Copas, mas em campo jamais conseguiu passar das quartas de final. Desta vez, porém, manda aqueles que são, de fato, seus cinco melhores representantes, ao contrário de 2006, quando Angola, Togo e Tunísia foram passear na Alemanha. Além disso, todos jogarão com torcida a favor e provavelmente com aquela arbitragem amiga.
Por isso, com os "Big Five" na Copa, eu aposto numa gloriosa semifinal com uma seleção africana. Elas têm bola pra isso.
Infelizmente considero apenas cinco possibilidades porque a sexta representante, a África do Sul, minha preferida, parece longe de resolver sua eterna crise de relacionamento com o gol.
(Rafael)
Marian vive há mais de 30 anos na Cidade do Lixo, um bairro imundo na periferia do Cairo. Mãe de quatro filhos, ela divide seu tempo entre cuidar das crianças e administrar uma barraca de frutas.
A Cidade do Lixo fica na maior metrópole da África, mas Marian poucas vezes largou sua rotina para passear pelas movimentadas ruas do Cairo. Ela não conhece as pirâmides de Gizé, nunca passeou pelo rio Nilo de barco, ou fez compras no famoso mercado Khan El Khalili.
Além de entender de frutas, Mariam conhece bem o lixo. Sabe direitinho o que é aproveitado para reciclagem, o que será dado aos animais, o que ela pode levar para as crianças brincarem. Até montar a vendinha de frutas, trabalhava na seleção do lixo que seu marido trazia em caminhões lotados várias vezes ao dia. A Cidade do Lixo concentra 60% do lixo do Cairo.
Todas as amigas de Mariam conhecem o lixo tão bem quanto ela. Os filhos de suas amigas também. Na verdade, é tudo o que conhecem. A maioria dos 30 mil habitantes da Cidade do Lixo é analfabeta e passa a vida separando os restos e dejetos que são trazidos do Cairo por seus maridos e irmãos.
A Cidade do Lixo não tem água encanada ou esgoto, está tomada por lixo e ratos, mas Marian nem cogita se mudar. Esta é a única realidade que ela conhece e a qual está acostumada.
(Marta)
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Duas horas antes da delegação de atletismo desembarcar, amigos e familiares comandavam dancinhas e músicas no saguão do aeroporto. Os sul-africanos são um povo muito animado e não perdem uma oportunidade para mostrar que são os reis do rebolado. E claro, não poderiam faltar as vuvuzelas.
O avião atrasou muito e enquanto Semenya não aparecia, mais curiosos e jornalistas se amontoavam no lugar. Até que ficou insuportável. Não dava nem para se mexer direito. Eu e Rafael nos entreolhamos e apostamos: "93% de chances de dar merda”. (Na foto abaixo, amigos e familiares dançam e cantam em voltam de recortes de jornal que têm a foto de Semenya na capa).
Pois na hora em que Semenya saiu no saguão, uma onda de jornalistas, amigos e curiosos atravessou o isolamento precário feito pela polícia. Eu e Rafael fomos carregados pela multidão. Algumas mulheres acabaram caindo no chão com o empurra-empurra. Eu levei um chega-pra-lá de um policial. E o que era para ser uma recepção linda, acabou assim: quase ninguém conseguiu ver Semenya, que sumiu na barreira policial.
Ah, além de Semenya, outros dois sul-africanos conquistaram medalhas no Mundial de Berlim. Khotso Makgale foi prata no salto em distância e Mbulaeni Mulaudzi repetiu o feito de Semenya e foi campeão dos 800 metros masculino. Mas eles acabaram ofuscados pela polêmica e comoção em torno da atleta, que ainda aguarda os resultados dos exames feitos pela Federação Internacional de Atletismo (IAAF) para provar se ela é mulher.
(Marta)